espuma

Era uma noite quente e úmida como quase todas as noites tropicais

Ele esperava o relógio atingir o topo e anunciar um novo dia. Estava calmo, seus companheiros de viagem dormitavam nos bancos ao lado. O local em que se encontravam estava dominado pelo som alto e pelo ar de fim de festa: cigarros, álcool e mulheres ansiosas...

Finalmente: as doze horas se fizeram! O navio estava pronto pra zarpar!

A madrugada, por mais que alguns neguem, tem sempre os seus mistérios. Ele estava sem sono e resolveu dar um passeio pela imensa proa do navio. Achava interessante ver os turistas se esforçando para se comunicar entre si e conseguindo! Não por meio da fala, mas sim pela linguagem corporal.

“Tantas línguas” – pensou. “Tantas línguas, quando na verdade a comunicação é uma coisa mais instintiva do que racional”

O mito de Babel lhe veio a mente, porém, ele o deixou passar. Não estava a fim de devaneios naquela madrugada.

A espuma que o navio deixava parecia uma trilha fantasma.

Estendia-se a perder de vista, às vezes negra como céu e outras vezes prateada como a luz da lua.

Sentiu-se só. Mas não só de uma maneira sinistra. Desta vez a solidão lhe mostrava uma faceta nova. Tranqüilidade. Sensação de plenitude. Durou só um instante, mas bastou para deixa-lo leve...

O vento soprava sereno.

De repente ele percebe uma variação em suas ondas. O vento parecia chegar com resistência. Era uma sensação quase imperceptível, mas a sua pele sentiu um certo bloqueio na passagem de ar.

“Uma pessoa” – pensa

Olha em volta. Os turistas haviam sumido.

“Já deve ser tarde”– disse pra si mesmo

Foi quando a viu.

Vestia uma blusa branca. Camiseta normal e jeans. Tinha os cabelos lisos e ondulados. Eram negros, o que contrastava bem com a palidez da sua pele.

Bonita. Um tipo de beleza que lhe agradava.

Ela o olha. Parecia estar ali a muito tempo...

Ele lembrou.

“Ela estava ali o tempo todo! Não a tinha visto por causa dos turistas que formavam grupos compactos. Mas quem será ela?”

Não tinha coragem para tanto. O máximo que poderia fazer era ficar se perguntando quem ela era, sem coragem pra ir aborda-la. Timidez...

A distancia não era grande, mas impunha respeito. Ela olhava o mar.

E ele voltou a contemplar a trilha fantasma.

“Olá”

...

*suspiro* (ela fala com ele!)

“Todo bien?”

“Si. La noche está bonita no te parece?”

“Bastante”

“Te vi de lejos. Estabas triste?”

“No. Solo un poquito melancólica”

“Ah! Desculpame, ni me apresenté...”

“Todo bien. Me llamo Cláudia”

“Encantado. Yo soy Carlos”

Eles conversaram muito. Ela lhe contou o motivo de sua melancolia. Estranhamente batia com o sentimento que ele começaria a sentir dali a alguns anos. Mas ele só lembraria disso bem mais tarde...

Ela era argentina e ele brasileiro. Duas nações tão distintas e ao mesmo tempo tão parecidas.

O tempo passava. “É incrível como ele voa quando vc está interessado em algo...”

“...ou em alguém” – ele pensou

O dia surge no horizonte. Nem parece que conversaram tanto...

Quando os primeiros raios da aurora surgiram ela já tinha voltado ao seu camarote. Ele ficou sentado nas poltronas da classe econômica mesmo. Ficou pensando na teoria dos universos paralelos, naquele lance maluco dos milhares de universos que existem para suprir as milhares possibilidades.

Em algum deles, ele não estaria ali naquele instante. E outro, talvez estivesse no camarote junto com ela. Mas neste ele esperava o dia amanhecer.

Lembrando da promessa que tinha feito a ela, após ter acariciado seu rosto.

“Te deseo...”

“Yo también, pero creo que esto no passa de hoy”

“El ‘hoy’ solo termina mañana...”

“Justo! Por esta razón te quiero pedir una cosa”

“Decimé entonces”

“Quiero que te acuerdes de mi, o mejor: de nosostros dos. Quiero te acuerdes de todo lo que conversamos en esta madrugada. Quiero que te acuerdes de mis manos, mis ojos y mis besos. Yo me acordaré de ti por estas cosas, pero me gustaria que contigo también fuese así.”

“Será. Te lo prometo”

“Entoncés tchau”

“Mas ya?”

“Cuando el dia viene, la noche se vá sin decir nada. Cada uno tubo su tiempo y supo aprovechar-lo da la mejor manera. Yo sé que vós lo aprovechaste muy byen. Sinceramente, yo también. Y estoy feliz por eso. Adiós”

“...”


Já é dia.

“Quando o dia vem, a noite vai sem dizer nada. Cada um deles teve o seu tempo e soube aproveita-lo da melhor maneira. Eu sei que vc o aproveitou muito bem. Sinceramente... eu tmb. E estou feliz por isso...”

Nunca mais se viram

Até hj ele lembra daquela madrugada

Até hj ele se pergunta se ela realmente existiu

Até hj ele pensa te-la visto na rua, em shoppings ou cinemas lotados.

E até hj (como havia prometido) ele se lembra dela. Ou melhor, deles dois... juntos.



Naquela fria madrugada no mar. Naquela espuma de sonhos e névoa...

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